2008-06-29

A ubiquidade da omissão

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A father and his son were driving to a ball game when their car stalled on the railroad tracks. In the distance a train whistel blew a warning. Frantically, the father tried to start the engine, but in his panic, he couldnt turn the key, and the car was hit by the onrushing train. An ambulance sped to the scene and picked them up. On the way to the hospital, the father died. The son was still alive but his condition was very serious, and he needed immediate surgery. The moment they arrived at the hospital, he was wheeled into an emergency operating room, and the surgeon came in, expecting a routine case. However, on seeing the boy the surgeon blanched and muttered. 'I cant operate on this boy. he's my son.'
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A memória desta trepadeira, que parecia ter invadido tudo à sua volta em Macau em 1990, foi-me suscitada pelo deslize tradutório referido no post anterior.

A linguagem, através da consagração de opções por omissão, condiciona a nossa forma de pensar e este é um dos motivos porque a existência de várias línguas corresponde a uma riqueza, pois é mais difícil aplicar a todas elas as mesmas formas condicionantes.

Quanto ao tratamento do género parece contudo que a diversidade das línguas não foi suficiente para conter a predominância do masculino. Em português, a regra de formação do plural em que quando há elementos masculinos e femininos, o plural fica masculino e a regra de usar a forma masculina "adulto" quando se quer nomear um elemento de género não especificado são os exemplos mais óbvios da polarização da linguagem. Em inglês existem mecanismos semelhantes, que levaram o tradutor a tropeçar no "she" da frase do post anterior e de, num certo sentido, ser incapaz de ler ali uma mulher como sujeito activo da frase.

É por isso que pode não ser óbvio ver logo que a resposta correcta ao enigma do início deste post é que "the surgeon is the mother of the boy".

Infelizmente o fenómeno não se circunscreve sequer à civilização ocidental que até talvez esteja melhor do que as outras no que diz respeito a ausência de discriminação.

Insiro aqui uma imagem do livro Metamagical Themas de Douglas R. Hofstadter ilustrando que também na China a linguagem atira as mulheres para um papel "desviante".



A dificuldade em encontrar na net o interessante ensaio "Changes in Default Words and Images, Engendered by Rising Consciousness" em que esta imagem se insere levou-me a divagar e irritou-me a dificuldade de aceder a textos "publicados" em papel. Esse "tornar público" está a ficar um acto perverso: ao tornar um texto público em papel, forma legítima e anteriormente eficaz de divulgar a informação, está-se agora a impedir que um conjunto muito mais vasto de pessoas, que não têm acesso ao livro mas têm à net, tenha acesso a esse texto.

Não sei o que se há de fazer na língua portuguesa para a melhorar, sob este aspecto de menorização do feminino, acho que a tarefa cabe às escritoras, quer sejam mulheres, quer sejam homens.

Não gosto (ou consigo) fazer posts sincronizados com a actualidade, porque os pensamentos chegam-me sempre um bocado atrasados, quando o tema já passou, neste caso foi feliz coincidência a realização por estes dias de um congresso sobre feminismo.

A primeira imagem da trepadeira tinha uma casa para dar uma ideia da dimensão. Aqui está sózinha sem distracções.

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