2010-07-06

A Procura da Felicidade

Tomei nota da existência deste livro "The Pursuit of Happiness- A History from the Greeks to the Present" por uma referência do cronista João Pereira Coutinho num programa de TV há uns três anos. O autor é Darrin McMahon, professor de História na Universidade da Flórida. Existe uma edição em português das Edições70 com o título “Uma História da Felicidade”.

O livro descreve as abordagens sucessivas do tema da felicidade na civilização ocidental, dos gregos até aos nossos dias. A versão inglesa em paperback da Penguin tem 480 páginas seguidas de 43 páginas de notas referidas ao longo do livro. Para espíritos não académicos como o meu, talvez metade das páginas fosse suficiente, mas a narrativa da evolução do pensamento sobre este tema mantém o interesse do princípio ao fim.

Uma das capas do livro (na net apareceram-me várias capas) apresenta uma parte do quadro “Fortuna” do pintor Jean François Armand Felix Bernard (1829-1894). Quando se vê a totalidade do quadro é mais evidente que a Fortuna trata mesmo é de dinheiro, não estando aqui a representar fortunas de ordem espiritual.

Começando nos gregos, designadamente em Aristóteles, passando por Epicuro, pelos Estóicos, por St.Agostinho, Pelágio, S.Tomás de Aquino, Locke, Hobbes, Rousseau, Adam Smith, A.Tocqueville, J.Stuart Mill, Max Weber, Socialistas utópicos e “científicos”, Darwin, Freud e mais uns tantos que ou me esqueci ou não me apeteceu citar, o tratamento do tema é bastante exaustivo.

É um excelente ponto de situação daquilo que já sabemos, que eu poderia resumir em a felicidade estar associada a transições de estados e não a um estado.

Não pretendendo resumir neste pequeno post uma história tão vasta gostaria mesmo assim de descrever que depois dos conceitos gregos da necessidade da moderação, quer nos desejos quer nos prazeres que nos permitimos, veio a visão cristã do Vale de Lágrimas e da impossibilidade de atingir qualquer felicidade significativa neste mundo, estando tudo reservado para a vida além da morte. São Tomás de Aquino viu a possibilidade de aceder a alguma beatitude na vida terrena. Não consigo resistir a pensar que a derrocada do império romano e a fragilidade da vida de cada um, sempre sob a ameaça de doenças incuráveis e de ataques assassinos, deram uma forte contribuição para esta visão tão pessimista da vida terrena.

Achei interessante a conjectura do autor de que o sorriso da Gioconda não é tanto um mistério como uma inovação. Antes desse quadro do Leonardo da Vinci os personagens representados não se atreviam a sorrir.

Gostei também da referência a Stuart Mill, quando ele diz que quem procura directamente a felicidade não a encontrará. Só se consegue aceder a ela de forma indirecta, através da realização de outros objectivos. O Evangelho diz algo de muito parecido, como quem quiser ganhar a sua vida perdê-la-á e só a ganhará verdadeiramente quem estiver disposto a perdê-la, dando-a aos outros. Há algo de parecido também no budismo Zen, em que os praticantes andam à procura da iluminação (enlightenment), sendo-lhes ensinado que só a encontrarão (se a encontrarem...) quando deixarem de a procurar.

O livro refere ainda o enorme perigo que representam os profetas que anunciam a felicidade como um estado permanente que se conseguirá atingir nesta terra. Além de várias seitas temos sobretudo o socialismo dito científico que prega a felicidade sobre a terra quando se conseguir acabar com as classes sociais e quando os meios de produção forem propriedade colectiva. Sabemos agora que a teoria não conseguiu uma confirmação prática, tendo deixado infelizmente evidência de grandes tragédias.

Gostei muito das referências a Darwin, que pensou no papel que a sensação de felicidade poderia ter na evolução, embora tenha abordado o tema na sua obra com pouco relevo. Gosto da ideia de sermos estimulados a sermos melhores mas a ficar insatisfeitos com o que conseguimos atingir ao fim de relativamente pouco tempo. Parece um excelente motor de evolução, pese embora a insatisfação associada que faz verdadeiramente parte da condição humana.

Achei curiosas ou reveladoras as escolhas de capas que os editores fizeram para este livro. Enquanto a figura da Fortuna que mostrei acima põe uma tónica forte no acesso ao dinheiro, noção que não é nada evidente no livro, a tradução portuguesa escolhe o quadro do Seurat, “Uma tarde de domingo na ilha da grande Jatte”, um quadro que transmite uma sensação de grande tranquilidade, de pessoas citadinas a desfrutar um dia de sol num parque ajardinado ao pé do rio Sena, que aqui tem o aspecto de um lago.


Suponho que nos anos 60 do século passado este quadro seria considerado uma alienação burguesa, face às dificuldades da classe operária ou dos oprimidos do terceiro mundo.

Parece-me uma representação mais equilibrada da felicidade do que uma praia numa ilha deserta. Na realidade as ilhas desertas não são paradisíacas, caso contrário não estariam desertas.

Sem comentários: