2011-10-02

Raparigas do Rajastan

Gostei muito desta fotografia “Desert of Rajasthan (India). Shivji Joshi's photo to National Geographic”, que vi pela primeira vez no Expresso do Oriente, um blogue muito discreto que sabe seleccionar fotografias.



Tentando perceber porque gostei tanto da foto conjecturei que teria sido pelo ambiente minimalista do deserto, em que o motivo principal da foto não se perde no meio de pormenores desnecessários. Gosto muito dos tons quentes dos saris que contrastam bem com a cor da areia, gosto da textura da areia, com as ondulações que me fazem lembrar a praia, gosto da disposição das raparigas, num plano quase perpendicular ao da foto, ilustrando de forma quase académica o efeito da perspectiva. Gosto ainda da nitidez das sombras e da transparência do ar. Não admira que goste da foto.

Ir buscar água à fonte ou ao poço (improvável que seja ao rio) parece ser aqui trabalho do sexo feminino, esta convenção corresponde à que existia em Portugal e na Guiné-Bissau, ao contrário doutras actividades, como lavar roupa, em que a convenção é inversa.

Quando estive em Bissau, de Out/1973 a Out/1974 no serviço militar obrigatório, contaram-me que num quartel lá mais para o interior ia todos os dias uma equipa buscar água a um rio que distava uns 5 ou 6 km do quartel e também duma aldeia que ficava no caminho do quartel para o rio. A equipa levava um “carro da água”, atrelado a um jipe ou um Unimog, com capacidade suficiente para o quartel.

Um dos militares, ao se aperceber que as mulheres da aldeia faziam todos os dias o mesmo percurso a pé, com vasilhas de água à cabeça, ofereceu-se para fornecer um depósito de água que julgo que teria capacidade para um ou dois metros cúbicos e que seria instalado sobre uns tijolos de forma a ficar a alguma distância do chão, para que as torneiras a instalar no fundo do depósito ficassem a uma altura que permitisse encher as vasilhas.

As pessoas da aldeia acharam boa ideia e os militares forneceram o material (tijolos, cimento e depósito com torneiras) mas constataram depois que a obra não ia para a frente. Quem me contou a história dizia que o motivo do insucesso se teria devido à divisão de tarefas entre homens e mulheres: enquanto transportar água era um tarefa de mulheres, colocar tijolos e cimento para neste caso fazer uma base para o depósito de água seria tarefa reservada a homens.

Com o passar do tempo fui-me apercebendo que estas narrativas simples são muitas vezes simplificações ou distorções da realidade mas, quanto mais não seja, servem de conto moral, neste caso ilustrando o erro da discriminação por sexo na atribuição de tarefas.

Regressando à fotografia noto agora que as raparigas levam à cabeça vasilhas de barro, o que me faz suspeitar da “veracidade“ da foto. De facto, mesmo a países muito pobres como a Índia, já chegaram os recipientes de plástico, que são muito mais leves do que os feitos em barro. Contudo, como estes são considerados “mais autênticos” do que as modernices plásticas, além de virem normalmente em corres berrantes que tirariam o protagonismo às cores dos saris, é possível que tenham pedido às raparigas para usarem estes vasos de barro em vez dos modernos plásticos.

Eu sabia que as pessoas fazem poses para as fotografias, que não são forçosamente instantâneos duma realidade não perturbada pelo observador, mas passei o que agora me parece um número excessivo de anos sem me aperceber que há muitas encenações.

A certa altura tinha reparado que a realidade das revistas de decoração era diferente da minha pois as lombadas dos meus livros têm muitas cores, enquanto que os das estantes das salas só tinham duas ou três cores que combinavam muito com o ambiente.

Mas foi com esta foto do Thomas Struth (http://i1.exhibit-e.com/mariangoodman/f90626e4.jpg), tirada no museu Pergamon em Berlim, que deve estar no site da Marian Goodman Gallery, comentada num pequeno curso sobre História da Arte do El Corte Inglés, que passei a ficar mais desconfiado sobre as fotografias de cenas aparentemente naturais.

2 comentários:

Anónimo disse...

Primero pedir disculpas por no ser capaz de escribir mi comentario en portugués por mi desconocimiento de esta lengua.
Y en relación con la anécdota de Bissau ésta me recuerda a otra que me contaron en Burkina Fasso y que, más o menos, es así: un grupo feminista de alemanas quiso financiar algún proyecto solidario con mujeres necesitadas. Se decidieron por llevar agua corriente a una aldea africana en la que las mujeres dedicaban varias horas al día en ir a buscar agua a un río lejano. Así construyeron una fuente en la aldea y la correspondiente canalización. Todo parecía ir bien hasta que, al poco, fuente y canalizaciones fueron destruidas ¡por las propias mujeres de la aldea a cuyo bienestar se quería contribuir!.
La explicación posterior pasa porque las mujeres de la aldea comprobaron cómo con la fuente perdían la posibilidad de ausentarse de la aldea durante unas horas al día, lo que antes aprovechaban para escapar de la tutela y miradas de sus padres y maridos.
Más allá de las connotaciones peyorativas del cuento de si las benefactoras eran feministas o eran alemanas o las agraciadas africanas, aprecio sus enseñanzas (como acabar haciéndolo mal con la mejor intención, no todo es tan malo como parece, el camino del infierno está empedrado de buenas intenciones...).
Vale, como carezco de identificación de INTERNET hago el comentario cómo Anónimo pero por si no lo has intuido ya soy Jaime Sanchiz.
Saludos dominicales

jj.amarante disse...

Olá Jaime!
Podes escrever à vontade em Espanhol, as duas línguas são mais parecidas quando escritas do que quando faladas, os teus comentários são muito benvindos.
A tua história é muito interessante, os engenheiros (e aparentemente algumas organizações de auxílio) têm tendência para pensar que quando se encontra uma solução técnica para um problema este já está resolvido, enquanto os políticos e sociólogos têm a tentação de pensar que quando as pessoas chegam a acordo sobre o que querem é só dizer aos engenheiros que estes encontrarão logo uma solução.
Bom fim de fim-de-semana