2012-06-27

Amartya Sen, Fome, Casas e ex-SCUTs


No outro dia ao andar na Via do Infante (A22) no Algarve fiquei com a impressão que circulavam muito menos carros do que antes do estabelecimento das portagens. Essa impressão foi depois confirmada, por exemplo em artigo da revista do ACP de Abril de 2012. A A22 teve uma quebra de 48,4% no 4º trimestre de 2011 em relação a idêntico período de 2010. Outras ex-SCUTs (Sem CUsto para o Utilizador) tiveram quebras inferiores mas significativas, exemplos dados são 30,9% na A23, 29,6% na A24 e 18% na A25.

A situação fez-me pensar no risco que corremos de, depois de termos gasto provavelmente uma quantidade excessiva de dinheiro em estradas, chegarmos à situação ridícula e triste de “não termos dinheiro” para as usar, diminuindo a produtividade e a tão falada competitividade do país ao não resistir a cobrar uma receita extra aos utilizadores das estradas que já as pagaram várias vezes, como contribuintes do IRS, do IVA e sobretudo como pagadores do “Imposto sobre Produtos Petrolíferos”.

Se for difícil justificar a construção das ex-SCUTs, ainda será mais difícil justificar que se cobre aos utilizadores pelo seu uso pois ao fazê-lo diminui-se a utilização de um bem com potencialidade para melhorar a produtividade do país/região. O preceito de conceder a utilização de um bem a quem lhe dá mais valor e está disposto a pagar mais por ele fará sentido numa situação de escassez do bem, originando uma renda de congestionamento. Caso não haja congestionamento é irracional cobrar para seleccionar quem utiliza.

Nas casas de habitação observa-se uma situação semelhante. O dinheiro que emprestaram a Portugal, principalmente os Espanhóis mas também muito os Alemães serviu para as famílias Portuguesas comprarem o nosso território (o custo do terreno é a maior parte do custo das casas, o custo da construção não aumenta por aí além) bastante mais caro do que se não existissem empréstimos tão baratos. Gastámos assim muito mais dinheiro para comprar as nossas casas do que teríamos gasto se não nos tivessem emprestado tanto. Em princípio esse dinheiro foi para o bolso dos proprietários de terrenos que não o investiram em actividades produtivas em Portugal, dado o fraco crescimento da nossa economia. Com o aumento brutal do desemprego, devido à aplicação das medidas de austeridade (por nos termos endividado a construir estradas e casas) e às profecias auto-realizantes das agências de notação, os compradores de casas deixaram de conseguir pagar a prestação. Assim como ficámos com estradas sem carros vamos também ficar com casas sem pessoas, dando assim mais um sinal da incapacidade do pensamento económico dominante assegurar quer uma taxa de emprego razoável quer um mínimo de racionalidade na gestão dos recursos.


Este tema da existência de produção de um bem, ao mesmo tempo que existe uma parcela da população desprovida de meios para dele usufruir, é tratado com grande detalhe por Amartya Sen no seu livro “Poverty and Famines, An Essay on Entitlement and Deprivation”, um ensaio que embora trate de situações extremas de fome conduzindo à morte, designadamente a Grande Fome de Bengala em 1943, as fomes da Etiópia nos anos 70 do século passado, as secas e fomes no Sahel e as fomes no Bangladesh, tem muito interesse para a situação em que actualmente vivemos, ao mostrar que todas estas catástrofes resultam não de causas naturais mas de péssimas organizações económicas das sociedades em que ocorrem.

Na grande fome de Bengala, em que morreram mais de um milhão e meio de pessoas, Amartya Sen mostra que durante a crise a região de Bengala chegou a exportar arroz  nela produzido, enquanto pessoas sem dinheiro para o comprar morriam à fome.

Uma das teses interessantes de Amartya Sen é que nas democracias não se morre à fome porque os governantes têm pressões fortes para não deixar morrer os seus eleitores. Que isto sirva de consolação às pessoas que se sentem um bocado cansadas dos defeitos dos regimes democráticos.


2012-06-22

Mosteiro da Batalha


A floresta de choupos-bébés do último post fornece, através desta floresta de colunas, o pretexto para regressarmos aos templos góticos:



Desta vez não se trata duma catedral mas do Mosteiro da Batalha de que gosto muito e que costumava visitar mais vezes quando a estrada Lisboa - Porto lhe passava ao pé.

Dei ligeiros retoques na foto original para obter a simetria que me parece quase perfeita da imagem.

Deixando as considerações mais detalhadas sobre o mosteiro para a entrada da Wikipédia acima citada vou-me limitar a umas impressões de cariz pessoal.

A primeira é que se trata de um templo bastante austero, com uma quantidade modesta de vitrais mas com luz suficiente, proporções harmoniosas e com uma nave central desimpedida que permite ver o altar-mor logo a partir da entrada principal, situada num extremo dessa nave.

Esta sugestão de um caminho em direcção à Luz fez-me lembrar a “Igreja da Luz”, de decoração também minimalista, desenhada pelo arquitecto japonês Tadao Ando, construída na pequena cidade de Ibaraki, nos arredores de Osaka, no Japão. E cuja imagem fui buscar aqui.




Mas continuando as impressões de cariz pessoal, surpreende-me sempre a falta de edifícios góticos em Portugal, sendo possivelmente este mosteiro o mais significativo. Sendo Portugal um país tradicionalmente católico há tanto tempo seria de esperar mais manifestações arquitectónicas dessa situação, tanto mais que não nos faltam igrejas. Às vezes penso que terá sido o terramoto de 1755 que arrasou o gótico construído em Lisboa. Por exemplo, o convento do Carmo em Lisboa é uma ruína de estilo gótico. Julgo que para quem acredita na intervenção divina na vida quotidiana será difícil reconstruir um templo destruído por um terramoto: se Deus não protegeu um edifício erigido para O louvar não se deve ir contra a Sua vontade destruidora. Esta conjectura justifica a maior dificuldade em reconstruir um templo danificado por causas “naturais” do que aqueles que foram destruídos, por exemplo, por seres humanos durante uma guerra. Mas no norte de Portugal o terramoto de 1755 não causou grandes estragos e tão pouco existem por lá grandes catedrais góticas. Continuo mostrando uma foto da fachada principal




À direita da nave central vê-se a “Capela do Fundador”, em que “fundador” aqui se refere ao fundador da dinastia de Avis, D.João I. É um volume pouco comum, que estraga a simetria do edifício.

O que agora se chama a “sociedade civil” não parece ter sido forte antigamente, no que respeita à construção de catedrais, este mosteiro foi construído por ordem do rei, as igrejas góticas construídas nas paróquias costumam ter sempre dimensões bastante modestas em Portugal.

Gosto da capela do fundador por fora e por dentro, apenas me desgosta a perturbação na simetria da fachada pelo que a mostro agora num enquadramento sem a referida capela:




em que se constata a delicadeza dos arcos botantes e dos vários rendilhados da pedra que dão uma grande leveza à construção.

Acho belíssima esta parte superior da fachada:




e estão muito bem as formas geométricas da janela com vitrais, embora a superfície de vidro seja bastante reduzida





Ao ver estas construções geométricas lembro-me sempre da alegria que tive quando me ensinaram no liceu a fazer um arco contracurvado, um desenho que se fazia usando régua e compasso, primeiro a lápis, depois passando a tinta-da-china, com extremo cuidado para não borrar, pois o tira-linhas quer para as rectas quer o que se adaptava no compasso requeriam muita atenção.

Não resisto a apresentar o meu trabalho do antigo 4º ano do liceu, actual 8º, cuja digitalização teve uns ligeiros retoques, mostrando as linhas auxiliares da construção com régua e compasso de um dos arcos contracurvados possíveis:


2012-06-18

Árvores de Lisboa

Depois das plantas no prato vêm as plantas solidamente agarradas ao chão.

As árvores são difíceis de fotografar, normalmente existem algumas folhas que reflectem a luz intensamente enquanto outras estão na sombra, sendo mais fácil fotografá-las em luz difusa como nos países do céu nublado. Num ambiente urbano costuma além disso ser difícil arranjar um enquadramento em que não apareçam motivos indesejáveis, como outras árvores ou edifícios menos interessantes. Mas é difícil resistir nesta altura da floração.

Começo por um chorão que vi à Beira-Tejo (mesmo ao pé da ponte Vasco da Gama), no mês de Maio, neste caso surpreendeu-me a luz de tipo nórdico, com um fundo de nuvens escuras, a dar um certo dramatismo. Infelizmente tinha feito um vídeo no telemóvel e esqueci-me de mudar para modo fotografia. A imagem é um fotograma  do vídeo, com definição de 640x480, sem hipótese de reenquadrar.




a seguir mostro um Jacarandá, na quinta do Contador-mor, nos Olivais Sul. Não será o mais bonito de Lisboa, julgo que os melhores se encontrarão no Parque Eduardo VII, sobretudo a sequência mesmo ao pé do Marquês de Pombal, mas achei que a luz estava razoável e ainda não tinha nenhuma imagem de Jacarandá neste blogue




seguidamente mostro uma Tipuana Tipu, uma árvore com uma floração mais discreta do que o Jacarandá mas com umas flores de um amarelo vivo e que ficam muito bonitas, também porque possuem copas que podem atingir grandes dimensões, como por exemplo na Av. Almirante Reis ao pé da Praça do Chile nos terrenos da ruína do antigo hospital de Arrroios. Em frente ao centro comercial Fonte Nova em Benfica existe um conjunto extenso de Tipuana tipus, formando uma copa contínua de grande dimensão que pode ser apreciada a partir do viaduto da 2ª circular, embora seja um prazer breve porque o automóvel não deve ir muito devagar. Na praça do Saldanha existem também exemplares com copas de grande dimensão. A que apresento ainda é pequena e está no Parque das Nações à beira-rio, uma centena de metros a norte da Torre Vasco da Gama





para dar uma ideia melhor da folhagem e das flores tirei mais duas fotos a uma árvore ao pé desta, em que se vê a delicadeza da folhagem que mesmo assim dá uma sombra muito boa







gostei ainda desta pimenteira de jardim fortemente iluminada pelo sol




e desta floresta de choupos bébés, ainda nos Olivais Sul:


2012-06-13

Saladas Geométricas

Quando os convivas são em pequeno número é viável gastar um bocadinho de tempo extra a organizar cada salada no seu prato. Normalmente faço um leito de folhas de alface e sobre elas coloco uns poucos elementos.

Neste caso foi queijo fresco, pepino, tomate cereja e azeitonas





A alface de cima era duma variedade mais tenra. Quando a alface é frisada corto-a em tiras finas para evitar vir um mundo de coisas atrás de cada garfada. A salada seguinte tem ao centro uma rodelinha de queijo de cabra, paio fumado, ovo cozido, queijo da ilha em lascas finas. tomate cereja e maionese





A terceira e ultima desta série tem sobre o omnipresente leito de alface rolinhos de fiambre e de queijo flamengo, lascas finas de queijo da ilha, ovo cozido, pepino em bocadinhos pequenos e sempre os tomates cereja.




Esta última salada com 8 pontos vermelhos recordou-me vagamente a última imagem do post sobre a catedral de Burgos, talvez tenha havido alguma influência do tecto do cruzeiro nesta composição.


2012-06-09

Catedral de Burgos

Regressando às catedrais góticas, depois do pequeno intervalo dos flamingos, mostro uma vista geral da catedral de Burgos




mostrando a seguir a torre sobre o cruzeiro que é a parte da catedral onde se cruzam a nave central e o transepto,





que me surpreendeu com a quantidade de estátuas que lá existem, que não são óbvias vistas cá de baixo, e por isso mostro a seguir uma ampliação da parte de cima desta mesma imagem





Pensei que colocar todas estas estátuas tão longe de onde pudessem ser vistas não fazia sentido, depois fiz uma conjectura que me satisfez: tratam-se de santos que devem estar portanto o mais possível ao pé do céu, e a foto mostra que estão praticamente lá

A seguir mostro  o tecto do cruzeiro visto de dentro, com uns varandins virados para dentro que fazem lembrar os camarotes de um teatro, talvez para os santos da torre se debruçarem sobre o altar-mor...





e finalmente a imagem em que o tecto do cruzeiro se remete a uma simplicidade geométrica e luminosa se bem que acompanhada por uma decoração exuberante.


2012-06-05

Voos dos Flamingos com música





Vi este filme deslumbrante várias vezes, cheguei a ele através desta referência que por sua vez vinha daqui.

Tudo nele me pareceu excepcional, desde a beleza de cada plano, ao encadeamento das sequências e ao enriquecimento dado pela música ao conjunto.

2012-06-04

Tectos da Catedral de Salamanca (2)


Para finalizar o tema dos tectos apresento um em que o arquitecto se deixou levar pelas formas que lhe eram sugeridas pelas intersecções das várias superfícies que constituíam o tecto, e começou a divagar, enriquecendo as nervuras funcionais com outras claramente decorativas, a figura é bonita mas muito poucas destas nervuras polícromas são funcionais.


From jj.amarante pictures_03
 
e a seguir uma ampliação da figura central



2012-06-02

Tectos da Catedral de Salamanca


As catedrais de Espanha costumam ter uma característica que detesto, que consiste na existência de uma parede, logo em frente da porta de entrada na nave central, que nos impede de ver a nave central em toda a sua profundidade.

Face à ausência dessa perspectiva privilegiada uma pessoa concentra-se em pormenores, neste caso nos tectos. Hesitei bastante na selecção das imagens, a começar por esta primeira, muito parecida à do penúltimo post mas não resisti a este enquadramento quase simétrico de 3 secções da tecto da nave central





passando depois para uma vista de um dos lados do transepto





com uma espécie de varandim com um rendilhado de pedra, a correr a meio da altura da parede. Continuei hesitante sobre o interesse em mostrar o tecto do transepto, muito parecido ao da nave central mostrado na imagem anterior, mas acabei por me decidir a incluí-lo





no lado esquerdo do tecto do transepto tem-se uma visão parcial do tecto do "cruzeiro" nome da zona da catedral onde se interceptam a nave central e o transepto, onde é comum sobrelevar o tecto para deixar entrar luz natural que ilumine o altar-mor. Na imagem seguinte mostro então o tecto do cruzeiro





que já me parece mais renascentista que gótico mas razoavelmente bem integrado na construção existente.

No centro está a pomba simbolizando o Espírito Santo.