2012-09-19

O quadro no quadro


Qualquer janela da Maluda merece uma observação cuidadosa e esta (Janela 17, Lisboa, de 1981) não é excepção:


Neste quadro o nosso olhar passa primeiro através duma janela aberta do sítio onde estamos para fora, em vez do percurso habitual em que estamos no exterior e começamos por ver uma janela por fora. Ao olharmos para fora pela janela da casa onde estamos vemos outra janela, situada precisamente em frente daquela. Ao tentarmos ver o que se passa dentro da outra casa vemos afinal apenas o reflexo do que se passa no interior de outra casa que é a nossa. Nessa casa está um cavalete onde se encontra o quadro que nós estamos agora a comentar.

A Maluda gostava de nos devolver os reflexos nas janelas quando procurávamos ver o que se passava para além delas. E os dispositivos usados para preservar a privacidade do interior das casas, não só protegem o interior como às vezes deformam os próprios reflexos.

Noutros posts sobre outras janelas da Maluda, como aqui, aqui e aqui mostro a frequência com que aparecem os reflexos nas janelas desta pintora, e mesmo nesta que é uma janela real com reflexos em certo sentido irreais.

Claro que não é a primeira vez que um quadro é representado nele próprio, o exemplo que me ocorre logo são “As meninas” de Velazquez, que mostrei noutro post. Só agora reparei que o cavalete com o quadro que aparece no quadro original desaparece na versão moderna do quadro, de publicidade a El Corte Inglés, em que existe um fotógrafo a fotografar a cena em vez de a pintar. Permanece a presença invisível do espelho, sabemos que tem que estar lá embora sem estar representado, dando-nos a ver o reflexo que nele existe.

Nesta divagação não resisto a mostrar “As meninas” do Manolo Valdez, grupo escultórico de 2005, exposto temporariamente em Madrid em frente ao Forum La Caixa, embora neste caso se trate “apenas” de uma referência à obra de Velazquez e não de uma auto-referência.



Quando se fala de auto-referência lembro-me sempre do livro “Gödel, Escher e Bach” de D.R.Hofstadter, e da importância deste conceito na consciência de si dos seres pensantes, nos teoremas de Gödel, na música de Bach e nos quadros de M.C.Escher.

Fui nesse livro que vi pela primeira vez este quadro extraordinário de M.C.Escher intitulado “Print Gallery”



em que um quadro mostra uma galeria de litografias onde está o próprio quadro!

Para pessoas mais interessadas na matemática em que se baseia esta imagem poderão ir aqui, quem quiser ver uma animação interessante poderá vê-la no YouTube aqui.

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