2016-10-12

Uma história da escrita (2)


O livro de que falei num post anterior continua pelas teorias da leitura e sobre a eterna discussão entre a importância relativa das imagens das letras e dos sons associados às palavras que elas  representam. Conheci pessoas que quando liam (em surdina, engraçada esta palavra surdina) moviam sempre os lábios, como se estivessem a pronunciar as palavras que liam.

O livro fala dos fonemas e da dificuldade da composição das palavras por letras. O Bernard Shaw, insatisfeito com a falta de especificação da língua inglesa escrita de como cada palavra deve ser pronunciada, chegou a propôr um alfabeto com 40 símbolos.

Lembro-me de um inglês me dizer que os seus colegas achavam graça à forma como os portugueses pronunciavam “bitch” e “beach”, sendo a maioria destes incapaz de pronunciar estas duas palavras de maneira diferente.

Existe uma notação muito exacta para caracterizar os fonemas de uma língua, nos dicionários aparece a transcrição fonética de cada palavra. Essa transcrição fonética não é usada como forma escrita de uma língua porque a sua exactidão obrigaria a que variações regionais de pronúncia fossem introduzidas na língua escrita, por vezes mesmo pessoas da mesma região, veriam uma mesma frase expressa de forma escrita com sequências diferentes de símbolos. A transcrição fonética que aparece nos dicionários será a forma mais frequente (ou mais culta) da pronúncia de cada palavra.

A introdução das vogais na escrita foi feita pelos gregos, por exemplo em árabe e em hebraico as vogais não são normalmente representadas, à semelhança de outras línguas antigas. O autor apresenta então este texto (em inglês) em que omitiu as vogais:

“nglsh cn b rd wtht vwls, bt thr r cnsdrbl dffclts”

tendo eu feito uma frase equivalente em português:

“Prtgs pd sr ld sm vgs ms xstm dfcldds cnsdrvs”

No final deste post dou uma interpretação possível destas duas sequências de consoantes que não garanto que sejam as únicas.

O livro refere ainda que as letras do nosso alfabeto não representam apenas sons, sendo também usadas como representações de conceitos (ideias ou palavras). Por exemplo as letras I, V, X, L, C, D, M representam quantidades na numeração romana, o “o” serve de artigo definido, o “e” tem o mesmo papel do “and” em inglês, as letras servem ainda para representarem de forma abreviada diversas entidades nas fórmulas usadas designadamente na matemática, na física e na química. A letra “X” tem uma multiplicidade de significados.

A segunda parte do livro trata com bastante pormenor como foram decifradas escritas antigas que estavam extintas , a Cuneiforme, os Hieroflifos egípcios, a Linear B, a Maia, referindo ainda algumas por decifrar.

Na terceira parte são referidas as escritas actualmente usadas, quer no Ocidente quer no Oriente, a evolução e confusão que existe actualmente com a língua chinesa e a complexidade surpreendente da escrita japonesa, recorrendo esta última a uma mistura de ideogramas, importados da China mas usados muitas vezes com significado diferente do chinês, de um silabário (portanto fonético) e do alfabeto latino.

Sendo a língua principal o Mandarim, falado por 70% dos chineses, o livro defende a tese de que o que se chamam Regionalects ( dialectos falados em regiões ) são mais línguas do que dialectos, referindo o Yue (cantonês), Hakka, Min do Sul, Min do Norte, Xiang, Gan e Wu, adiantando que era um mito a possibilidade de falantes de cantonês e de mandarim se entenderem através da escrita.

Não tendo forma simples de confirmar esta tese, embora sabendo que falantes de Cantonês e de Mandarim não se compreendem a falar, fui verificar se no Google Tradutor existia o Cantonês, além do Chinês tradicional (escrita usada em Taiwan, Hong-Kong e talvez Macau) e do Chinês simplificado (usado na República Popular da China), constatando que o Cantonês ainda não está disponível no Google Tradutor. Depois perguntei no Google (Why there is no Cantonese in Google Translator) e entre várias considerações dizia-se que havia a intenção de o adicionar quando existissem condições. É possível que existam pressões políticas da RPC para que tal não aconteça, mas também pode acontecer que a adição do Cantonês seja inútil por a língua escrita ser idêntica à do Mandarim.

Falarei do chinês num próximo post, a propósito de outro livro.


E termino com soluções para as frases escritas acima apenas com consoantes, agora com as vogais:

“English can be read without vowels, but there are considerable difficulties”

“O Português pode ser lido sem vogais mas existem dificuldades consideráveis”



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